3ª
MARCHA DAS VADIAS- ARACAJU: O diálogo entre feminismo e
transfeminismo
Pela terceira vez na capital
sergipana ocorreu a Marcha das Vadias. Dessa vez o destaque da marcha
foi a pauta da transfobia: opressão contra as pessoas transexuais e
travestis. Esta centralidade na pauta é produto de um diálogo que o
movimento feminista de esquerda travou com o transfeminista, do qual
trouxe valiosas contribuições como, por exemplos, a diferença
entre identidades de gênero e orientação sexual; pelo direito da
visibilidade trans* e a reivindicação do projeto de lei
denominado Lei
João W. Nery -
a Lei de Identidade de Gênero Brasileira.
Esse diálogo significa um
marco para ambos os movimentos, uma vez que historicamente as
divergências de concepção de gênero e de fazer política os
afastaram de uma possível unidade. Isto porque, por muito tempo o
movimento feminista sustentou uma (falsa) tese de biologização do
conceito de mulher e homem, isto é, dava- se certa primazia a
genitália como definição. Assim, os traços anatômicos (vagina ou
pênis) eram o que definia tanto os papeis sociais como também a
própria inserção no movimento feminista. Portanto, bastava- se ter
vagina para, assim, ser considerada mulher e até mesmo feminista.
Com o advento das
manifestações de ordem LGBT na década de 60- 70 e a chegada
impactante da obra “O
Segundo Sexo”
(1949) de Simone de Beauvoir no movimento feminista da época é que
se passou a questionar “o que é ser mulher”? O livro da Beauvoir
influenciou de forma decisiva o movimento feminista, pois trouxe a
desconstrução do mito de uma essência feminina a partir do seu
sexo, quando na verdade era uma camuflagem da dominação masculina.
A partir da década de 60, o
movimento feminista ganha nova roupagem ao adicionar em seus
princípios − consequentemente nas suas frentes de luta − a
necessidade de questionamento e desconstrução das raízes culturais
da desigualdade entre os sexos. Colocando em xeque a ideologia
machista dominante do ‘eterno feminino’, na qual afirmava que
mulher está destinada ao lar e a família, por ser o sexo frágil e
inferior ao homem. Deste modo, o movimento feminista pautou por
mudanças nos costumes e na quebra dessa assimetria que justifica a
dominação masculina. Portanto, a bandeira reivindicatória era de
que não bastava ter útero era preciso tornar- se mulher! Afinal, “a
mulher não se define nem por hormônios nem por misteriosos
instintos e sim pela maneira por que reassume seu corpo e sua relação
com o mundo." (Beauvoir, 1967, p: 494).
Embora já se tenha passado
algumas décadas desse avanço, que foi o surgimento da categoria
gênero enquanto construção social, muitos movimentos feministas
ainda trazem em suas diretrizes políticas a não aceitação dxs
transexuais e das travestis nos seus espaços de auto- organização
e de atuação política. Isso, para nós do Coletivo Feminista-
Classista Ana Montenegro é estéril e que pode nos conduzir ao
fundamentalismo da biologização do conceito de gênero. E coloca-se
em risco de essencializar uma categoria que veio desconstruir
essências!
É preciso avançar e não
retroceder! E entender que, assim como gênero não se resume a
genitália, feminismo não se resume a útero. Continuemos a enunciar
a célebre frase da Simone de Beauvoir: “Não
se nasce mulher: torna-se” e sigamos em Marcha até que sejamos
socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
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Créditos
da foto: Janaína Vasconcelos
Referência
Bibliográfica:
BEAUVOIR,
Simone. O segundo sexo. Vol. II. Editora Difusão europeia do livro.
1967
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