Crianças,
volver!
Por Mariângela Marques
(Membro da Coordenação Nacional da UJC e
militante do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro)
Lembro-me que quando eu tinha entre sete e oito
anos de idade fui andar de bicicleta nas ruas do bairro onde eu
morava, em São Paulo, no Pari, região do Brás, conhecida região
de bairro operário e do comércio têxtil paulistano.
Nessa
andança de bicicleta, no auge da minha infância – ressaltando bem
a fase da minha vida, INFÂNCIA – um rapaz pediu para que eu o
ajudasse a consertar sua bicicleta e, por mais que meus pais sempre
me alertassem “nunca fale com estranhos na rua”, eu fui solícita,
como ensinou a Igreja Católica Apostólica Romana que frequentei até
acabar minha adolescência, e parei para, assim, ajudá-lo.
Ele
ali, com um ser estranho pendurado, acariciava sem parar enquanto
nada fazia para consertar sua própria bicicleta, então, dei-me
conta de que aquele ato não estava normal e, com medo, voltei à
minha magrelinha que ainda tinha rodinhas e pus-me a correr, querendo
abraçar minha mãe ou meu pai e sentir-me segura, sem coragem de
contar o que havia ocorrido. Meu medo em contar não foi pelo
“negócio” pendurado que aquele homem tinha, mas o medo do meu
pai brigar comigo porque eu ajudei um estranho na rua.
Depois
que eu cresci, depois que aprendi na escola o que é pênis e vagina,
que vi meninos roçando meninas para satisfazerem seus libidos
másculos e recalcados, lembrei-me do que ocorreu naquela manhã de
sábado e percebi que aquele rapaz, nojento e inescrupuloso, batia
uma punheta para mim, uma criança, uma menina, uma ser humana.
Isso
não aconteceu – ou acontece – só com paulistanas moradoras de
bairros operários, mas acontece com todo mundo, com toda a
impunidade social ao homem que fere, que maltrata, que violenta e até
mata em nome de sua masculinidade, compartilhada por diversos outros
homens, responsáveis por propagandas de TV e internet, rádio e rede
social; compartilhada por outras tantas mulheres criadas para serem
afáveis e nunca, jamais, duras, grosseiras e raivosas porque, quando
assim são, elas se tornam homens.
Isso acontece com a falsa moralidade da manutenção
de uma família acrítica ao seu próprio formato, muitas vezes
reiterado por dogmatismos naturalizados de uma sociedade que nunca,
jamais, será transformada porque “deus quis assim”, tanto é que
este “deus quis assim” aceitou o espancamento, até a morte, de
um filho de oito anos de idade porque ele, além de ter sido
desobediente, algo até normal em crianças, simplesmente lavou
louças em sua casa e gostava de dança do ventre. Se o pai achou que
o fato de UM HOMEM lavar louça era suficiente para MATAR, imagina o
que ele poderá fazer com as próprias filhas
E nunca mais obtivemos notícias do pai que matou
para educar...
Neste jogo sádico para formar uma criança,
adulterando-a para ser adulta, encontramos a realidade do “Brasil
padrão FIFA” – um país que deveria, também
inconstitucionalmente1,
mudar de nome e passar a ser República Federativa da FIFA – em que
crianças atendem à demanda sexual que espreita as cidades-sedes dos
jogos da Copa do Mundo, um filão de mercado que lucra com uma menina
que, aos 16 anos de idade, é “(...) considerada a menor mais velha
na profissão”2.
Assim é que vemos as crianças volverem ao que
elas, há muito tempo, perderam: a infância! Mas qual é a idade da
infância nos países de avançado processo de expropriação de
vidas humanas? Qual é a idade da infância do nosso atrasado
crescimento econômico do novo momento de desenvolvimentismo
capitalista do socialismo do século XXI? Com qual idade a infância
pode mercantilizar o próprio corpo?
Infelizmente, só tenho resposta para a última
pergunta: 12 anos! Porque com doze anos de idade uma ser humana não
é sexualmente agredida por já poder consentir o uso do próprio
corpo. Com menos de doze anos de idade as crianças podem trabalhar
para ajudarem aquelas pessoas que são chamadas de “família”
(crianças escravizadas, nada de análogas à escravidão: são
escravas). Isso também não é violência.
***
Daqui de onde estou penso no que farei assim que
sair da frente deste computador onde desabafei o grito sem som de
tantos anos... sei que, ao sair, muitxs outrxs também estarão
andando nas ruas e pensando no que fazer para mudar o Brasil, quiçá
o mundo, mas terão o sentimento de solidão que impele ao
coletivo... sei que, ao sair, tantxs outrxs praticarão a violência
impune – mais dentro de casa do que fora dela... mas sei que devo
continuar a luta que é, quase sempre, abafada por ecos conservadores
contra AS e OS feministas comunistas.
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1
Fazendo alusão à Lei Geral da Copa, aprovada inconstitucionalmente
em novembro de 2011, pelo Senador Crivella; outorgada pela
presidente Dilma Roussef.
2
Livre tradução. Artigo disponível em
http://www.elmostrador.cl/2014/22/05/las-nina-putas-del-mundial-de-brasil/.
Acessado no dia 25 de maio de 2014, as 17h e 56min.
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